Não foi nada fácil atravessar a pandemia e um governo de extrema direita no Brasil, saímos todos devastados psicologicamente, sendo assim não queria fazer um disco pesado, a realidade já era pesada o suficiente, mas era importante manifestar uma tristeza e desilusão com o mundo e mais que tudo utilizar o humor, uma arma que ajuda a atravessar momentos difíceis. Semovente precisa ser lido e escutado assim.
O álbum abre com a faixa – título que poderia ser facilmente um hit dos anos 80 no estilo de “ Realce” e “ Luar” de Gilberto Gil, traz a participação de Taynã Frota e fecha com com as baladas “ À Deriva” – canção mineira praieira que remete bastante ao “ Native Dancer” , disco do Wayne Shorter com Milton Nascimento e “Moonlight “ – canção em inglês que traz a participação do Californiano Kai Killion.
“ Moonlight “ é especialmente triste, traz um afeto de quem ainda insiste em preservar uma esperança interior apesar da distopia que vivemos. A canção nos remete à capa do álbum, uma foto feita por Joyce Damore chamada “ Solitaire Branchet” ( ramo solitário) que reflete bem essa percepção de preservação de um estado de consciência interior responsável pela sanidade, ou vida crescendo à revelia – Semovente.
O fundo desfocado dá um efeito psicodélico que passa a sensação de transcendência em oposição ao imediatismo pós moderno ou algo que está ruindo, se perdendo. “ I don’t know why we’ ve lost What we were “ – Diz um dos versos de “ “Moonlight “.
O Afoxé “ Falso Profeta”, quarta faixa do disco, tem o título auto- explicativo: “ O sábio fala pouco/ o que afaga é o fogo/ mais nada” ; Dizem os versos da canção que atacam a intolerância religiosa e o fascismo no Brasil.
Em “ Ziguezagueando “, canção que lembra os sambas salsiados do Marku Ribas, a pergunta “ e agora, quem é otário e quem é malandro?” Fica no ar no contexto do auge da pandemia em que ficar em casa era a atitude mais adequada, recomendação que foi abertamente desrespeitada pelos pseudo – malandros que nos desgovernavam na época.
Em ” Ex – Citado”, mais uma em parceria com Mauro Aguiar, o eu – lírico lamenta não ter sido citado pelo Caetano e soa como provocação a uma leitura tropicalista da cultura embora muita coisa tenha mudado de lá para cá. A canção não deixa de ser uma crítica a um segmento de mercado indie – nova – mpb excessivamente caetanístico, aliás, apegado ao caráter mais superficial do que representava sua obra na época, feito por uma turminha hipster de classe média tentando se achar no caos político e cultural do Brasil.
A ironia também contempla a precariedade do artista independente que de independente não tem nada e como em qualquer mercado depende de uma cadeia produtiva, a canção retrata essa precariedade enquanto a cultura do apadrinhamento rola solta no show business e a seara democrática da internet não sustenta o artista independente, sobretudo o interessado na ruptura de um padrão estético aceito nos nichos de mercado
A ironia da ironia é que a letra do Mauro Aguiar foi uma brincadeira quando o Thiago Amud, compositor cuja obra destoa completamente de uma leitura rasa do tropicalismo e da obra do Caetano, foi citado pelo Caetano.
Já em ” Caracu” a precariedade retratada está no cidadão comum atônito com os rumos do país em tempos de pandemia, extrema direita e risco de ruptura democrática : ” Efeito/ É tudo um efeito isso é puro preconceito/Temos o pleito e o sangue azul/ o direito rarefeito e essa cara de cú” – dizem os versos
O álbum aborda questões sérias apesar do humor e aposta num sexteto da pesada na condução de uma sonoridade brasileira que abarca o pop e o jazz
Ouça aqui:
https://open.spotify.com/intl-pt/album/2HpTAUUz1NOxJRfdnhxhpM?si=1b0ywFB4QG2NQwG_JzPBYw
FICHA TËCNICA
Banda
Piano e voz – Pedro Ivo Frota
Baixo elétrico – Rodrigo Ferreira
Guitarra e Violão – André Siqueira
Percussão – Bernardo Aguiar
Sax e Flauta – Yuri Villar
Bateria, trombone e trompete – Antônio Neves
Arranjos
Ziguezagueando, Moonlight e Falso Profeta – Pedro Ivo Frota
Semovente , Caracu e Falso Profeta – Yuri Villar
Compositores – parcerias
Mauro Aguiar – Semovente, Caracu, Ex – Citado
Renato Frazão – Ziguezagueando
Taynã – À Deriva
Participações especiais
Taynã na faixa Semovente
Kai Killion na faixa Moonlight
Gravação
Gabriel Lucchini – Estúdio Fibra
Daniel Sili – Estúdio Boca do Mato
Edição
Ian Sá
Produção Musical
Pedro Ivo Frota e Elisio Freitas
Mixagem
Elisio Freitas
Masterização
Bruno Giorgi
Capa
Foto – Joyce Damore
Design – Mauro Aguiar