
15 dez Sinal Fechado – Modernidade e Holocausto
O sinal está fechado, eu atravesso a rua e quando estou no meio da faixa o sinal abre e todos os carros aceleram como se eu não estivesse ali. Tudo bem, eu sou um marmanjo e todos estão com pressa. O foda é ver a cena se repetir com uma mulher com um bebê e uma velhinha atravessando. Os carros vão no automático, como se ninguém estivesse ali. Tô na Barra da Tijuca, dá um desconto. Mentira, a cena se repete em todas as partes da cidade, mas na Av das Américas a distopia fica escancarada: ambiente hostil, Brt lotado em.plena pandemia, meninos fazendo malabarismo no sinal sem camisa, sem máscara e com os pés descalços no asfalto quente. Quando o sinal abre a pessoa que está no ar condicionado do carro avança, não importa quem está na frente. Dá vontade de entrar num filme de ficção, quebrar o vidro do carro e dizer :” Se manca, forrrgado!!” não adianta, não é só um, são todos ao mesmo tempo. Um pequeno gesto que diz muito sobre o Brasil que ninguém aguenta mais.
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Ainda sobre o episódio de hoje, refleti mais um pouco sobre. Uma civilização saudável não é só o lugar onde todos seguem as leis irrestritamente, e sim um lugar onde as pessoas têm um senso ético básico de convivência. Lembro que dei uma folheada uma vez num trecho do livro do Bauman chamado ” Modernidade e Holocausto ” que refletia um pouco sobre isso: as pessoas que cometiam atos bárbaros na guerra como jogar uma bomba numa cidade por exemplo, não faziam isso movidos somente pelo ódio e a perversão, faziam simplesmente para cumprir uma ordem, seguir a lei, um protocolo, um acordo burocrático, e se isentavam da responsabilidade ética individual apenas porque seguir a lei era o “certo”, a ordem oficial do governo. Assim foram cometidas as maiores atrocidades e crimes contra a humanidade. Na ideia de ” ordem” fascista as perguntas não são bem vindas porque ajudam a desmascarar as injustiças. Então quando alguém acelera o carro sem se preocupar com quem está atravessando só porque o sinal abriu, está agindo de maneira semelhante. O argumento da pessoa com certeza será: “po, mas o sinal abriu, estou obedecendo a lei”. Numa sociedade saudável os sinais não seriam necessários porque o senso ético coletivo saberia que a prioridade é sempre do mais vulnerável nessa situação: O pedestre. As pessoas estão pedindo para usar máscaras e evitar aglomerações não só porque é a lei, mas por uma questão de senso ético coletivo. Usar máscara diminui o risco de contágio e proliferação do vírus. Quando alguém diz que não pode ser abordado por alguém porque não é um cidadão e sim” fulano de tal” , falta essa noção ética básica. Falta um senso ético mínimo de convívio pro brasileiro.