Pedro Ivo Frota | O Pop e o Vício

O Pop e o Vício

O ”pop bom” sabe que o pop é um câncer.
Não é à toa que a produção pop mais recente fique aquém daquela
feita quando a indústria cultural foi criada. A lógica da venda fácil aponta para
uma produção mais efêmera que causa impacto imediato, viciando a leitura e
consequentemente a produção artística.
A produção musical ainda segue essa lógica mesmo com o
enfraquecimento das gravadoras que sempre foram seu principal agente de
divulgação. Não é difícil notar a quantidade de ídolos que são literalmente
fabricados no mainstream, e perceber como a produção cultural nos últimos
anos caiu num beco de difícil saída assim como qualquer vício.

A suposta liberdade artística que não tem que obedecer produtor ou
qualquer regra limitadora existe numa escala pequena porque o vício que a
indústria do entretenimento criou é muito presente. A lógica pop predomina
na produção musical nacional com menos autenticidade do que antes porque
os grandes artistas criados por essa indústria são imitados de forma viciada.
O vício não deixa de ser uma cegueira. Se caracteriza por um
hábito nocivo, consciente ou não. Pode ser a leitura tendenciosa e a
repetição inconsciente de um discurso.

A grande maioria da produção pop hoje é um vício, ou seja, a
repetição cega de um discurso tendencioso que se atem mais ao fetiche do
que à música, e mais ao fenômeno do que à linguagem. Acaba sendo um
mergulho no vazio e o vício de achar que é normal estar por lá. Muitas vezes
esse vazio é alimentado (ou disfarçado) por pseudo-ousadias que dificilmente
saem da zona de conforto do status quo. A transformação do artista hoje num
”animador de torcida” das redes sociais por exemplo serve como diagnóstico
de tempos tristes em que o marketing é mais importante do que a essência
da obra. A culpa não é de ninguém, o jogo que é infame.
Se preocupar em fazer arte hoje é um ato político. Pensar a arte hoje
é um ato político. Sua essência é subjetiva e subversiva porque é livre. A arte
sendo ela mesma, reflete sobre o que é a liberdade e o que fazer com
ela. Qualquer texto, fala ou manifestação que vá além de uma superfície
rasa e publicitária hoje é um ato político. O pop que se preocupa em ser arte,
parte de uma interpretação menos viciada da realidade porque é ciente e
disposto a tratar da contradição de ter nascido com a indústria cultural de
massas.
O ”bom pop” se atem mais à linguagem do que ao fenômeno. Se
apropria do contemporâneo e da contradição do fenômeno pop para criar
uma estética que aflora como olhar novo. Se preocupa em desconstruir o
que é tido como pronto, e para isso vai fundo na leitura e/ou fuga da
realidade. Foge do vício mesmo que tenha como proposta dialogar com ele.
Tudo o que é arte e traz encantamento é bem vindo, e aí não cabem
limites estéticos e/ou ideológicos desde que haja cuidado. O primeiro deles é
fugir dos vícios.
É fácil se acostumar com a mediocridade e justificá-la a todo instante,
e para isso o argumento da simplicidade é constantemente distorcido. A
simplicidade nasce de um processo complexo de investigação, vivência e
construção. A frase ” a simplicidade é o auge da sofisticação” não pode ser
interpretada de maneira leviana. Uma canção pode sair num sopro, mas todo
o processo de reflexão anterior foi fundamental para que isso acontecesse. O
bom pop pode soar simples, mas não é pois tem que lidar com uma dialética
e um processo de síntese complexo.

O pop já carrega em seu nome o vínculo com o mercado seja no
fenômeno ou na linguagem. Já o popular é um termo mais genuíno. A
simplicidade que nasce da tradição oral é preciosa pois não sofreu a
influência do vício do mercado. Hoje isso é cada vez mais raro.
Quando o criador inserido num contexto urbano da indústria cultural
busca a simplicidade da tradição oral essa busca pode ser legítima desde
que haja respeito no diálogo com o passado e a tradição para
construir novos sentidos e estéticas. Quando essa busca cai num fetiche do
passado (como a mpb tradicionalista) ou num deslumbre excessivo com o
”novo” (como a nova mpb) sem considerar toda a complexidade dessa
dialética, a busca pode ser vazia. A simplicidade falsa é a que cai no vício de
repetir o que foi cristalizado no mercado.
Lidar com o pop é se deparar com a música que chega na maior
quantidade de pessoas. Esse fenômeno é responsável por deixar a música
mais genuína em segundo plano, mas entrar no universo pop com
originalidade e se apropriar do que ele tem de melhor é um caminho artístico
interessante e desafiador que de simples não tem nada. Não faltam exemplos
de artistas que conseguiram dialogar com o pop mantendo a integridade
artística e originalidade. Hoje os tempos e os desafios são outros. Seguir
esse caminho é se preocupar com os perigos do vício e buscar as virtudes.